ENTREVISTA A FLAVIA PEDROSA.
O ENSINO DO DESENHO E ARTE EDUCAÇÃO
LUISA PILLACELA CHIN
Unidad Educativa Héctor Sempértegui (Ecuador)
JOSÉ LUIS CRESPO FAJARDO
Universidad de Cuenca (Ecuador)
Resumo:
Flávia Maria de Brito Pedrosa Vasconcelos é Professora/artista/pesquisadora no Colegiado de Artes Visuais da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), que está localizado na cidade de Juazeiro, no estado da Bahia, Brasil. Flavia fez sua tese de doutorado na Universidade do Porto, sobre a formação do professor que leciona em cursos de formação para professores de Artes Visuais no Brasil e em Portugal. Além disso, desde 2011 é diretora do grupo de pesquisa MITA – Estudos Multi, Inter e Trans artes em, dedicado aos temas das Artes, Linguística e Literatura. Flávia também é coordenadora da Rede de Pesquisa em Desenho e Processos Cognitivos – REDE.
Palavras chave: Arte/Educação, pesquisa, Brasil, Portugal.
Abstract:
Flavia Maria de Brito Pedrosa Vasconcelos is a teacher/artist/researcher in the Collegiate of Visual Arts of the Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), which is located in the city of Juazeiro in the State of Bahia, Brazil. Flavia did his doctoral thesis at the University of Porto, on the training of the teacher who teaches in training courses for teachers of Visual Arts in Brazil and Portugal. In addition, since 2011 is Director of the research group MITA-Multi, Inter and Trans Studies arts, dedicated to themes of Arts, Linguistics and literature. Flavia is also Coordinator of REDE (Research network of drawing and cognitive processes).
Keywords: Art, education, research, Brazil, Portugal.
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Bom dia Flavia. Muito obrigado por nos dar esta entrevista.Você sempre foi interessada em Arte/Educação? Quando você sinaliza que acordou sua vocação?
Interesso-me pela Educação Artística ou Arte/Educação desde os primeiros anos de formação em nível superior. Na faculdade de Artes Plásticas do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – IFCE estive em constante diálogo com meus professores, assim como iniciei minha atuação como docente em Artes Visuais em algumas escolas particulares e públicas.
Deste diálogo, percebi que havia uma necessidade de construção em que meu fazer artístico pudesse continuar conjuntamente com o fazer docente, em um tornar-se que o tempo e a experiencia prática aliasse o artístico com o educativo em práticas artístico/educativas.
De certa forma, entendo que a práxis de meus profesores na faculdade de Artes Plásticas do IFCE estimulou-me como exemplo e por muitos deles estarem construindo concomitantemente sua identidade no ensino e na criação artística, repensei os meandros já neste período, da importancia da ação do professor universitário na formação de futuros profesores pré-universitários.
Sua dissertação, na Universidade do Porto é sobre pontes artísticas e educacionais na formação de profesores de Artes Visuais. Você poderia nos dizer suas contribuições mais significativas neste campo?
Considero que um ensino artístico que possibilite pontes é um ensino que não se baseia somente em paradigmas tradicionais ou modernos, ele está aberto a outras leituras e debates, quer conversar, trocar ideias e práticas.
As pontes, dessa forma, unem teorías a práticas, tornam o ensino e o aprendizado um processo em que se constrói a experiência significativa.
A minha tese tem como foco um entendimento crítico/reflexivo do “saber desenhar” e do “não saber desenhar”, relacionando estas duas concepções a ênfases do discurso instituídas nos currículos da formação de profesores de Artes Visuais e atentando ao contexto histórico.
Compreendendo que este contexto é fruto de uma visão Ocidentalizadora e Europeizante do ensino de Arte, percebo as tensões e os desvios, a deterioração e as brechas que o sistema de ensino/aprendizado do Desenho possibilita, desde a visão dos docentes que lecionam esta disciplina no ensino universitário.
Como reflexões da investigação, indico que quando o ensino do Desenho se baseia numa ênfase isoladamente tende a determinar um ensino/aprendizagem muito pobre e por vezes lesivo.
Ou seja, ao docente que leciona Desenho no nível universitário dispôr um deficiente entendimento da complexidade do fenômeno Desenho, ele distancia os futuros professores de Artes Visuais de práticas artístico/educativas que possibilitem construir pontes, gerando, pelo contrário, desentendimentos do que é o Desenho, a Arte e até o ser humano nos procesos da experiencia técnica, criativa, expressiva e cognitiva do desenhar.
Aproveito para inferir que a tese deverá ser revisada e publicada até o final deste ano de 2015 no formato de libro impresso e em formato de e-book pela Chiado Editora no Brasil e em Portugal. Espero poder estar lançando em outros países na América Latina, de forma a ampliar o debate sobre o tema.
Onde você pesquisa atualmente na formação dos professores de artes visuais?
A investigação na formação de professores de Artes Visuais por muito tempo foi atada a procesos teóricos de reflexão sobre o fazer docente e artístico da profissão. Como se Arte e Educação fossem campos dissociados do pensar científico e, algunas vezes, como se Arte não fosse um domínio da Ciência.
Do começo do século XXI podemos observar o aumento de diferentes aportes na pesquisa desta área. Apesar disso a preocupação sobre o fazer/saber e a reflexão sobre a atuação no espaço da profissão só vem a estar presente mais recentemente no debate científico.
Dessa maneira, pode-se notar que vem diminuido o distanciamento do docente que atua em nível universitário da reflexão sobre a educação escolar. Compreender uma realidade em que futuros profesores estarão atuando é imprescindível quando se está formando-os.
Neste momento de crise econômica, social, cultural e ecológica, há de se observar os meandros do saber/fazer da profissão, principalmente entendendo que tanto em nível universitário quanto em pre-universitário e que tanto o docente quanto o professor de Artes Visuais têm que perceber a sua função política. Esta, é visível na revisão do mundo por meio das diversas leituras e releituras das visualidades e da produção artística não apenas numa perspectiva estética, mas numa perspectiva Multi, Inter e Trans do olhar sobre o outro e sobre a realidade em que se vive.
Que conclusões você já obteve após colocar em contraste a formação artística no Brasil e em Portugal? Quão importante é, na Europa e no Brasil, a cultura estética na educação?
Encontrei muitas semelhanças no sistema de ensino artístico de nível universitário dos dois países e também diferenças. Pode-se mencionar que ambos seguiram e em alguns aspectos permanecem seguindo visões Ocidentalizadoras e Europeizantes.
Investiguei o Desenho na Licenciatura em Artes Plásticas e no Mestrado em Ensino de Artes Visuais da Universidade do Porto – UPORTO e na Licenciatura em Artes Visuais da Universidade Federal do Vale do São Francisco – UNIVASF.
Interpreto, do universo investigado, que na UPORTO, discurso teórico no currículo e dos docentes que lecionam Desenho seguem as diferentes filosofías do ensino do Desenho possíveis e se referem a um programa estandardizado e bem esquematizado de evolução do aprendizado do desenhar. Desconfio de uma possível deteriorização deste ensino na formação pedagógica e didática disponível no Mestrado, devido a uma série de pesquisas e pareceres que cito na tese, mas não pude adentrar neste problema com especificidade pelo tempo que toda a pesquisa demandou.
Na UNIVASF, há uma dificuldade no currículo de organização das filosofías do Desenho, o que pode ser indício da construção recente do curso e da necessidade de maior diálogo entre os docentes neste sentido. Os docentes desta instituição demonstraram preocupação com seus percursos didáticos e abertura a revisão de suas prêticas por meio da experiencia e de um maior diálogo com os colegas e estudantes.
Em termos de conclusões, cito as seguintes como necessárias de atenção na formação de profesores de Artes Visuais no Brasil e em Portugal:
– Políticas Educativas que levem em conta o Desenho como conhecimento Multi, Inter e Trans – MIT
– Currículos em que o Desenho seja percebido como cognição e em que as demais ênfases do discurso possam estar integradas nos processos de ensino e aprendizagem
– Composição de um diálogo mais abrangente entre conhecimentos teóricos, pedagógicos e artísticos pelos docentes que lecionam nas licenciaturas
– Estabelecer uma discussão dialética acerca do exercício e das experiências da profissão entre docentes e professores pré-universitários
– Desenvolvimento de práticas artístico/educativas que deem acesso a experiências cognitivas em todas as disciplinas da formação de professores, possibilitando a reflexão acerca de saberes e fazeres da profissão.
No que tange à cultura estética na Educação Artística ou Arte/Educação na Europa, entendo que ela tem sido orientada, desde a fundação das Academias de Arte, em função de influenciar os modos de ver e reproduzir, os modos de observar e refletir e os modos de perceber e contextualizar em nível global.
O sistema de ensino em que o Desenho tinha o aspecto técnico evidenciado, em que indispensável se tornava treinar o olho para determinadas formas a serem reproduzidas, foi reforçado com a Revolução Industrial no final do século XIX em Inglaterra.
Para diferenciar seus produtos dos produtos manufaturados por artistas e artesãos franceses, em uma visível competição estética, os ingleses investiram fortemente durante todo o século XX em um ensino/aprendizado do Desenho público e disponível a todos.
No mesmo final do século XIX no Brasil, artistas franceses fundaram a Academia de Belas Artes no Rio de Janeiro, trazendo estes ideais estéticos, o que por um lado, teve um ganho no sentido de dar acesso a uma formação artística formal no sentido de uma escola com viés de nível superior aclamada anos depois, trouxe uma deteriorização sobre o trabalho artístico já existente no país.
Em certos aspectos pode-se considerar que a Missão Artística Francesa foi determinante na diferenciação da Arte do Artesanato, agindo muitas vezes já na Academia de Belas Artes como instrumento regulador da produção estética nacional.
Somente em meados de 1940 que as ideias de John Ruskin chegaram ao Brasil com os discursos de Rui Barbosa. Décadas depois, há a vinda de ideias de Herbert Read, John Dewey, Viktor Lowenfeld entre outros teóricos que em parte foram mal interpretados e deram origen ao que conhecemos como “libre-expressão” ou um ensinar que se desloca para um fazer pelo fazer.
De lá para cá o país alternou entre um tecnicismo e um livre-expressionismo, até a década de 1980, quando o Movimento de Arte/Educadores – MAE explodiu e em 1996, temos uma lei que efetiva o ensino obrigatório de Arte numa perspectiva mais crítico/reflexiva ao âmbito escolar, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN nº 9394/1996.
No momento atual, a cultura estética no ensino artístico europeu encontra-se em uma fase de questionamento e reestruturação, o mesmo ocorre no Brasil.
Porém, reflito que no Brasil as lutas por uma Arte/Educação de qualidade estão aliadas a uma forte presença da necessidade urgente de valorização da carreira docente.
Por isso, tenho encontrado muitos trabalhos de artistas, profesores/artistas e de estudantes que releem este territorio, discutindo as políticas educacionais e revendo a Educação como esencial ao desenvolvimento integral dos seres humanos.
A formação do grupo de pesquisa MITA tem sido positiva? Você considera a internacionalização do grupo positiva?
O Grupo de Pesquisa Multi, Inter e Trans em Artes – MITA, foi cadastrado no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CnPQ no ano de 2011, como parte da necessidade de maiores diálogos em meus estudos de Mestrado em Artes Visuais na Universidade Federal da Paraíba – UFPB em associação com a Universidade Federal de Pernambuco – UFPE.
Percebi que o maior diálogo entre outras áreas com as Artes era esencial para se rever o ensino e a produção artística. Além disso, ampliando os territórios do conhecimento, outras plataformas que contextualizem e releem a o ensino/aprendizado e as práticas artístico/educativas em nível universitário são disponíbilizadas.
Concordo com a noção de Artistry nos estudos de Elliot Eisner e do becoming (ou tornar-se) que Rita Irwin defende e, por isso, encontrei no grupo MITA um espaço para que isso pudesse estar em discussão ampla e expandida.
Destarte, temos no grupo produzido uma série de debates e pesquisas em conjunto, compartilhando saberes e fazeres na investigação.
A internacionalização do grupo foi um passo escolhido a seguir após discussão de pesquisas realizadas com outro investigadores de instituições brasileiras em congressos no exterior e, por conseguinte, decisão de dialogar específicamente com o que estava sendo discutido no exterior.
Para se pensar o local, é importante rever o regional, o nacional e o internacional. Não podemos fugir das influencias e colonizações que o Brasil atravessou, mas ao mesmo tempo devbemos ter em mente que este é o momento de encontrar pontes e atravessá-las, de não se deixar submergir por um contexto de crises e lançar outros olhares, mais polissêmicos, que conduzam do hibridismo a uma compreensão estética e crítica das múltiplas realidades – do real ao virtual e de cómo podemos encontrar juntos soluções aos problemas em comum.
Você acha que é de grande importância a linguística na formação de formadores em artes visuais?
Não penso que a Linguística apenas é importante para a formação docente em Artes Visuais. Revejo as ideias de Rosalind Krauss e penso as Artes Visuais como campo expandido, que no ensino artístico pode estar dialogando com outras áreas do conhecimento. Por isso, defendo o Multi, Inter e Trans em Artes.
A Linguística, como a Literatura e outras áreas presentes no Grupo de Pesquisa MITA – CnPQ estão lá para dar abertura a uma conversação e ao encontro com as Artes Visuais, cada área com sua contribuição e em conjunto, posibilitando olhares entrecruzantes.
Você tem começado recentemente a coordenar, através do site de redes sociais Facebook, a «Rede de pesquisa em Desenho e Processos Cognitivos» ¿Quais objetivos você estão perseguindo com esta iniciativa?
A Rede de Pesquisa em Desenho e Processos Cognitivos – REDE surgiu durante meus estudos de Doutorado na Universidade do Porto, quando tive contato por meio da investigação, com a realidade do ensino artístico pré-universitário na Finlândia e na Noruega e da organização da formação docente em Artes Visuais nestes dois países.
Sabendo que o Desenho é um pilar para o ensino/aprendizado das Artes Visuais, senti que faltava para a pesquisa em Desenho no Brasil e na América Latina um debate mais dialógico, em que o Desenho pudesse fazer o mesmo diálogo que o Grupo MITA – CnPQ procura realizar.
A REDE foi criada com este intuito, de que possam no âmbito artístico, educativo ou artístico/educativo, indivíduos das mais variadas instituições e interesses, interagir, promover e recriar os contextos em que vivem. A REDE está inscrita e registrada no Grupo MITA – CNPQ.
No próximo Congresso da Federação de Arte/Educadores do Brasil – CONFAEB, devo estar discutindo melhor com os colegas interessados a REDE e prevejo para o ano que vem um encontro ou Escola de Verão que traga o desenhar como foco. Ainda estou a ver em que local da América Latina será realizado.
Muito obrigado. Gostaríamos de dispensar-nos desejando-lhe sucesso em suas próximas propostas e aventuras educacionais.
O Porto – Santa Ana de los Ríos de Cuenca,
Junio de 2015
para saber mais: https://www.facebook.com/REDEsignare?ref=hl